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Uísque com energético? Sim ou Não?

Mesmo sendo um assunto um tanto trivial muitos de meus alunos do curso pré-vestibular me perguntam a respeito dessa mistura que acabou virando mania entre o público jovem.
Afinal é correto misturar uísque com energético? Será que faz bem? Será que faz mal? É um drinque elegante ou é uma heresia?
Sempre uso os temas do cotidiano como um bom pretexto para falar sobre uma das minhas maiores paixões: a Química.
Assim, vamos começar com a química das bebidas energéticas:
Na composição das bebidas energéticas mais comuns no mercado brasileiro, duas substâncias se destacam: a taurina e a cafeína.
TAURINA
A taurina é um ácido sulfônico natural sintetizado no fígado e no cérebro. Seu nome oficial é ácido 2-aminoetanossulfônico e tem ação surfactante atuando como emulsificante dos lipídios (óleos e gorduras) no intestino delgado, promovendo a sua absorção intestinal.
É usada em bebidas energéticas devido ao seu efeito desintoxicante e pelo fato de intensificar o metabolismo da glicose e favorecer a liberação da energia para o funcionamento do organismo. Além disso, a taurina age como transmissor metabólico, fortalecendo as contrações cardíacas.
CAFEÍNA
A cafeína é um alcaloide do grupo das xantinas, designado quimicamente como 1,3,7-trimetilxantina. É encontrado em certas plantas, tais como o café e o chá e é usado para o consumo em bebidas em virtude de sua ação estimulante, produzindo estado de alerta de curta duração – atuando diretamente sobre o sistema nervoso central. Age ainda sobre o metabolismo basal tendo efeito diurético. Aumenta a produção de suco gástrico e em doses terapêuticas estimula o coração e a dilatação dos vasos periféricos.
Superdosagens podem provocar irritabilidade, ansiedade, dor de cabeça, insônia e em alguns casos morte. A dose letal de cafeína estimada para um adulto hígido de 70 kg é de 10 g.
Apenas para constar, existem seis casos registrados de vítimas fatais por superdosagem de cafeína em virtude de convulsões e de colapso respiratório.
Na tabela abaixo estão estimadas as quantidades de cafeína em cada produto usado em nosso cotidiano.

Depois deste vislumbre químico sobre os dois principais componentes dos energéticos passemos para o uísque. Para o artigo não ficar muito extenso vou me deter no uísque escocês.
O termo uísque, do idioma inglês whisky (empregado principalmente na escócia e demais países do Reino Unido) ou whiskey (empregado principalmente nos Estados Unidos) é uma corruptela da antiga expressão gaélica “uisge beatha” ou “água da vida” e se refere a uma bebida alcoólica bidestilada obtida a partir da fermentação de grãos cereais tais como a cevada, o milho e o trigo e que pode ser envelhecida em barris de carvalho ou de outra madeira.
Sua graduação alcoólica varia de 38% a 54% (em volume) sendo rigorosamente regulamentado, pois possui várias classes de acordo com a fonte de suas matérias-primas fermentáveis e de seus processos de destilação e envelhecimento.
Uísque escocês (Scotch Wisky)
Só pode ser denominado Scotch Whisky o uísque produzido na Escócia e que tenha sido envelhecido em barril de carvalho pelo menos por três anos.
Há quatro tipos oficiais de uísque na Escócia, a saber:
1. Single malt: Um destilado exclusivo de cevada, obtido pelo processo de bidestilação artesanal em alambique “pot” e com um envelhecimento mínimo de 12 anos. Sua produção é registrada desde 1494. É o tipo mais raro (e, portanto, mais caro) de uísque. Deve ser tomado puro, sem gelo e em copos pequenos.
2. Vatted: É obtido pela composição harmoniosa de dois ou mais barris de single malts. Deve ser apreciado da mesma forma que o single malt.
3. Grain whisky: É um destilado de grãos, principalmente do trigo, milho ou centeio. É de produção industrial, mais simples e barata. Seu processo de fabricação foi desenvolvida em 1853 pela destilaria Usher’s a pedido de clientes ingleses e usa geralmente o alambique contínuo do tipo “Cofey”. O grain pode ser tomado em copos de qualquer tamanho, com ou sem gelo.
4. Blended: É o mais popular dos uísques escoceses. É obtido da mistura harmônica de grains e single malts e pode possuir em seu “blend” cerca de quarenta uísques diferentes. O blended considerado standard não tem indicação de idade, no entanto para receber no rótulo a denominação “scotch”, como dito anteriormente, deve envelhecer no mínimo três anos em barris de carvalho.
Por ser o uísque mais popular, o blended standart pode ser misturado a outras bebidas tais como sucos e refrigerantes.
ENTÃO, É ELEGANTE MISTURAR UÍSQUE E ENERGÉTICO?
Para os conhecedores e apreciadores de uísque qualquer blended com idade superior a 12 anos deve ser degustado da mesma forma que o grain, ou seja, puro ou com gelo para se apreciar o sabor do malte na mistura.
No entanto é consenso entre os produtores escoceses e irlandeses que não existe forma errada de beber uísque e que se o cliente assim o desejar poderá beber até um single malt misturado com coca-cola.
Um colega químico que lecionou durante anos Tecnologia das Fermentações sempre considerou isso uma heresia. Uma verdadeira afronta aos deuses celtas.
Em suas palavras:
– Um scotch ficou envelhecendo no mínimo 12 anos para refinar o seu sabor — e o cavalheiro ou a dama, sem a menor piedade o mistura com refrigerante ou energético? My Godness!!
Para concluir esta parte do artigo, vou citar um comentário que li outro dia em um fórum:
A questão era justamente essa:
É correto misturar-se scotch envelhecido com refrigerante ou outra bebida?
Um vendedor de vinhos finos de nome André postou:
“- Se meu cliente quiser comprar meu vinho mais caro para fazer sagu, que seja bem-vindo!
(Qual é a sua opinião sobre esse assunto meu querido leitor?)
A MISTURA DO UÍSQUE COM ENERGÉTICO FAZ MAL PARA A SAÚDE?
Vou responder esta questão com outra pergunta:
Por que será que todo o energético possui na embalagem a orientação para evitar o seu consumo com qualquer tipo de bebida alcoólica?
Alguns dados para ajudar na resposta.
1) Apesar de muitas pessoas pensarem que o álcool é estimulante, na verdade trata-se de um depressor do sistema nervoso central. A aparente estimulação inicial que ocorre em pequenas doses é oriunda da depressão no cérebro dos mecanismos naturais desencadeadores da inibição. Consequentemente ingerir álcool em excesso (depressor do sistema nervoso central) e cafeína em excesso (estimulante do sistema nervoso central) propicia no cérebro um efeito antagônico. Um estimula o outro deprime.
2) Cafeína e álcool coadunam efeitos que aceleram a perda de água (e consequentemente a de eletrólitos).
3) O energético misturado a bebidas com elevado teor de álcool como o uísque, além de diluir o álcool e deixar a mistura mais agradável ao paladar, a cafeína e a taurina deixam o indivíduo mais agitado, impulsionando-a a beber mais e submeter a um stress ainda maior os sistemas cardiovascular e respiratório.
4) Segundo um estudo da Unifesp, é possível ainda que os energéticos prolonguem a desinibição inicial desencadeada pelo álcool e levem os usuários a fazer um juízo errado de suas capacidades – como o de ser capaz de dirigir mesmo estando embriagado, por exemplo.
5) Em outro estudo, realizada pela mesma universidade, demonstrou-e que a cafeína presente no energético potencializa o efeito negativo do álcool no cérebro. De acordo com o estudo, a cafeína acelera a morte de células cerebrais, causada principalmente pelo álcool, que pode levar ao envelhecimento precoce e a doenças como mal de Alzheimer e de Parkinson.
O álcool é um dos grandes responsáveis pela chamada morte celular programada, também conhecida como apoptose. Trata-se de um processo lento de morte de células que acontece com a presença de um estímulo agressor, como o etanol (álcool), por exemplo. E este efeito aumenta na presença da cafeína.
Segundo a pesquisa, as células cerebrais morrem naturalmente em decorrência do envelhecimento. Porém quando o consumo de bebida alcoólica é exagerado, essa mortalidade aumenta em 50%. Esse índice é ainda maior quando o álcool é associado à cafeína, chegando a 80%.
6) O energético mascara o efeito depressivo do álcool favorecendo a superdosagem. O indivíduo pode se encaminhar para o coma alcoólico muito rapidamente e sem perceber. O que pode resultar até em óbito.
Resumindo:
Se o energético lhe dá asas,
siga uma recomendação de trânsito — se for voar não beba! rs
REFERÊNCIAS
DELUCIA, Roberto; MARTINS, Ricardo. Farmacologia integrada, 2ª ed, Rio de Janeiro: Revinter;
FREDHOLM, B; BÄTTIG, K; HOLMÉN, J; NEHLIG, A; ZVARTAU, E. Actions of Caffeine in the Brain with Special Reference to Factors That Contribute to Its Widespread Use, Pharmacological Reviews. vol. 51 n.1, 2005;
GOODMAN, Louis; GILMAN, Alfred. The pharmacological basis of therapeutics, 11ª ed, Porto Alegre: Artemed, 2005;
RANG, H; DALE, M; RITTER, J. Farmacologia, 4ª ed, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 2001; p. 284-285 e 511-512;
OGA, Seizi, Atheneu, Fundamentos de toxicologia, São Paulo: 1996

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